Paula Capra Valentini
Advogada – OAB/RS 68.638
Pós-graduanda em Direito da Saúde pela PUC-RJ
Pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público
Certificada pelo Instituto Paulista de Direito Médico e da Saúde
Karen Machado
Especialista em Direito Ambiental Nacional e Internacional (UFRGS) e Compliance CPC-A (LEC e FGV).
Atualmente é Secretária-Geral da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RS
Professora convidada de pós-graduação e capacitação
Membro da Associação Gaúcha dos Advogados de Direito Ambiental Empresarial (AGGAE)
Representante da OAB/RS na Câmara Técnica de Legislação e Educação Ambiental do Conselho
Municipal de Porto Alegre/RS no Biênio 2020-2021
Membro voluntária do Círculo Jurídico do Sistema B – RS
Residente representante em Direito Ambiental da Casa Norma
Os cuidados com a gestão dos resíduos assumiram especial importância no contexto de pandemia que estamos vivendo, em especial para fins de evitar a propagação do vírus Sars-CoV-2, que possui alto risco de contágio e fez com que tivéssemos um aumento exponencial na produção dos resíduos no setor da saúde.
Ainda que os resíduos dos serviços de saúde – denominados como RSS – representem pequena parcela do total de resíduos produzidos, é justamente o seu potencial infeccioso que faz com seja necessária a adoção de manejos específicos nas diferentes etapas de sua gestão.
Diante desse cenário, políticas públicas e legislações vêm sendo discutidas e elaboradas para preservação da saúde pública e para um desenvolvimento sustentável. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA são os órgãos que traçam as diretrizes e regras para a geração e o manejo dos recursos na área da saúde e do meio ambiente.
Ter conhecimento sobre quem são os geradores e quais as diferentes classificações dos resíduos nesse setor são requisitos mínimos para que se tenha sucesso na efetivação das políticas públicas e no cumprimento das normativas, justamente porque a conscientização dos geradores é um dos mais importantes pilares desse sistema.
De acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada nº 222/2018, da ANVISA e a Resolução nº 385/2005, do CONAMA, são considerados geradores todos os serviços cujas atividades estejam relacionadas com a atenção à saúde humana ou animal, como, por exemplo, os laboratórios analíticos de produtos para a saúde; necrotérios, funerárias e serviços onde se realizam atividades de embalsamamento; serviços de medicina legal; drogarias e farmácias, inclusive as de manipulação; estabelecimentos de ensino e pesquisa na área de saúde; centros de controle de zoonoses; distribuidores de produtos farmacêuticos, importadores, distribuidores de materiais e controles para diagnóstico in vitro; unidades móveis de atendimento à saúde; serviços de acupuntura; serviços de piercing e tatuagem, salões de beleza e estética, dentre outros afins.
Como podemos perceber, o rol, mesmo exemplificativo, é bastante amplo, pelo que se afasta a ideia de que apenas grandes hospitais ou clínicas precisam de adequação aos requisitos de boas práticas de gerenciamento dos resíduos na sua área de atuação.
Outro importante ponto, como já referido, é sabermos a classificação dos diferentes grupos de resíduos dentro do setor, sendo comum termos, num mesmo serviço, diferentes espécies de resíduos gerados. Além disso, adotar políticas corretas desde o momento do descarte implica um melhor aproveitamento no tratamento desses resíduos, sendo a correta segregação um ponto chave de toda a gestão.
Nesse contexto, a mesma RDC antes citada, em seu anexo I, trouxe cinco diferentes grupos para classificação dos resíduos, a depender do material encontrado. Vejamos, em linhas gerais, cada um deles:
- Grupo A: resíduos potencialmente infectantes, com componentes que apresentem possível presença de agentes biológicos. Ex: restos de curativos, luvas utilizadas em procedimentos com contato em material biológico do paciente, lâminas de laboratório, tecidos humanos, bolsas transfusionais, contendo sangue, etc;
Importa salientar que a Resolução nos traz o grupo A divido em 4 subgrupos, o que demandaria um estudo mais aprofundado de cada um deles, fugindo do escopo do presente texto.
- Grupo B: resíduos contendo substâncias químicas que podem apresentar risco à saúde pública ou ao meio ambiente, dependendo de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade e toxicidade. Ex: medicamentos vencidos, reagentes de laboratório, resíduos contendo metais pesados (pilhas, baterias), ácidos, formol, etc;
- Grupo C: resíduos de materiais que contenham radioatividade em carga acima do padrão e que não possam ser reutilizados. Ex: materiais utilizados em serviços de Raio-x e radioterapia;
- Grupo D: resíduos que não apresentam risco biológico, químico ou radiológico à saúde ou ao meio ambiente, podendo ser equiparados aos resíduos domiciliares. Ex: papel de uso sanitário e fraldas, absorventes higiênicos, máscaras descartáveis, resto alimentar de pacientes, luvas de procedimentos que não entraram em contato com sangue ou líquidos corpóreos, etc;
- Grupo E: São objetos e instrumentos perfuro-cortantes. Ex.: lâminas, bisturis, agulhas, ampolas de vidro, etc.
Por oportuno, cumpre registrar que a ANVISA emitiu nota técnica no sentido de que todos resíduos provenientes da assistência a pacientes suspeitos ou confirmados de infecção pela Covid-19 sejam enquadrados na categoria A1, que é justamente a que trata dos resíduos que apresentam um maior risco de contaminação.
Com esses conhecimentos iniciais, ainda que superficiais, já podemos pensar nas responsabilidades que decorrem da gestão dos resíduos dos serviços de saúde, sendo de suma importância que se saiba como são tratadas essas responsabilidades.
A Lei Federal 12305/2010 - Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) contempla o princípio da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos: conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental”.
Segundo a lei, é do gerador a responsabilidade pelo gerenciamento de resíduos. Contudo, embora a responsabilidade direta seja dos estabelecimentos de serviços de saúde, pelo princípio da responsabilidade compartilhada se estende a outros atores: ao poder público e às empresas de coleta, tratamento e disposição final.
A RDC Anvisa 222/2018 estabelece que o manuseio, coleta, transporte, valorização, tratamento e descarte é de responsabilidade dos geradores, ou seja, a clínica é responsável pelo resíduo que produz.
Pela Resolução CONAMA 358/2005 é dever o gerenciamento dos resíduos desde a geração até disposição final, atendendo aos requisitos ambientais e de saúde pública e ocupacional, estabelecendo responsabilidade solidária de todos que, direta ou indiretamente, causem ou possam causar degradação ambiental, em especial os transportadores e operadores das instalações de tratamento e disposição final.
Em termos práticos, as empresas gerenciadoras respondem diretamente aos órgãos ambientais e os geradores (com exceção dos hospitais que também têm licenciamento ambiental) respondem para a Vigilância Sanitária Municipal pelo alvará sanitário. As empresas gerenciadoras necessitam de licenciamento ambiental, sendo estabelecidas condicionantes para a atividade na Licença de Operação.
Assim, o pequeno gerador acaba contratando empresas terceirizadas para o descarte e destinação, mas não há preocupação ou conhecimento sobre segregação e acondicionamento. No entanto, ressalta-se, vige a corresponsabilidade, de modo que também é responsável até a destinação final.
Nesse sentido, entender as diversas fases do processo, como segregar e acondicionar, além de como se dá o tratamento e destinação final, adotando processos com observância às normas aplicáveis, é de extrema importância e pode trazer segurança à atividade, possível redução de custos e aumento de resultados.
E o documento hábil a estabelecer a forma como se dará a gestão dos resíduos é o Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde – PGRSS, obrigatório para todo serviço gerador, segundo art. 20, I, da Lei 12305/2010, art. 5º da RDC Anvisa 222/2018 (prevendo o §1º exceção: serviço que gere apenas resíduos Grupo D, o PGRSS pode ser substituído por notificação desta condição), e art. 4º da Resolução CONAMA 358/2005.
O PGRSS é o documento que demonstra a capacidade da empresa de gerir todos os resíduos que gera, com o detalhamento das medidas de gestão desses resíduos. As metas principais são minimizar a geração de resíduos, proporcionar aos resíduos gerados um encaminhamento seguro e correto, proteger trabalhadores, saúde pública, recursos naturais e meio ambiente.
Destaca-se que cada órgão fiscalizador possui suas diretrizes para orientar a elaboração do PGRS local, podendo ser observada exigências diferenciadas em cada região do Brasil. No entanto os §§ 1º e 2º do art. 21 da PNRS prevê que os planos devem atender o plano municipal de gestão integrada de resíduos do respectivo Município, sem prejuízo das normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama, do SNVS e do Suasa, mas a inexistência desse plano municipal não dispensa a exigência do PGRSS. Assim é que - outro destaque -, cada unidade deve ter um PGRSS, pois deve atender às suas especificidades e às normativas locais.
Como conteúdo mínimo, previsto no art. 21 da PNRS (devendo ser observadas as demais normas relacionadas), temos: descrição do empreendimento ou atividade; diagnóstico dos resíduos sólidos gerados ou administrados, contendo origem, volume e caracterização dos resíduos, incluindo passivos ambientais a eles relacionados; explicitação dos responsáveis por cada etapa do gerenciamento de resíduos sólidos; definição dos procedimentos operacionais relativos às etapas do gerenciamento de resíduos sólidos sob responsabilidade do gerador; identificação das soluções consorciadas ou compartilhadas com outros geradores; ações preventivas e corretivas a serem executadas em situações de gerenciamento incorreto ou acidentes; metas e procedimentos relacionados à minimização da geração e à reutilização e reciclagem (quando forem possíveis); se couber, ações relativas à responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; medidas saneadoras dos passivos ambientais relacionados; periodicidade de sua revisão.
Como se pode perceber, algumas questões são chave para a segurança na atividade, e este plano pode ser um dos meios para também promover redução de custos e até aumento de resultados. Com efeito, procedimentos operacionais padrão, controles mais efetivos dos insumos, dos resíduos e todos os processos, planos de contingência para situações adversas, análise de risco, contemplando contratos com terceiros para determinadas atividade, treinamento, comunicação e monitoramento, são concretamente investimentos para o negócio, em termos de custos e segurança. Fala-se aqui de alguns dos pilares e fases de um Programa de Compliance, do qual o PGRSS será parte integrante, que deve ser idealizado, desenvolvido e implementado especificamente para cada serviço de saúde.
O Programa de Compliance é uma estrutura desenvolvida para prevenir, detectar e responder a condutas ilegais, promover cultura de condutas éticas, alinhar políticas, planos, processos e controles no sentido da sustentabilidade ampla do negócio. Trata-se então de solução que se reverte em vantagem competitiva, pois - e destacando-se para a gestão dos resíduos dos serviços de saúde -, passará, entre outros, pela identificação e adequação das fases dos processos da atividade (mapeando eventuais incorreções que podem desencadear, por exemplo, situações de contaminação), dos insumos usados e seu gerenciamento (podendo prever - quando possível - minimização, reciclagem, reutilização, reaproveitamento); por análise de riscos nos diversos processos da atividade, estabelecendo políticas, controles, processos e planos para tratar desses riscos a de modo a extingui-los ou minimizá-los; treinamento e comunicação (para todos envolvidos na cadeia) a respeito de todos esses processos (dentre os quais, para os resíduos temos segregação, acondicionamento, transporte, tratamento e disposição final); bem como monitoramento para verificar a efetividade das ações e promover correções e melhoria contínua.
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